quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A tragédia anunciada, adiada e empurrada com a barriga

Definitivamente são dias muito estranhos. Há quase uma semana, aqui no Rio, deixamos de ser alvos de balas perdidas e arrastões de costume e parece que viramos figurantes de um filme do Capitão Nascimento, cada vez mais longe de um final feliz. Carros incendiados, toque de recolher, boatos, verdades, mentiras e oportunismo incorporaram-se à nossa rotina de caos urbano, promovida pela "malandragem "que age em tempo real, ao vivo para todo o Brasil.
Malandragem?!?
Há muito tempo que o malandro deixou de ser mané. Hoje ele é profissional, tem possibilidade de "ascenção na carreira", pois o olheiro de hoje pode virar o gerente da boca amanhã; tem treinamento militar, com táticas de guerrilha e de sobrevivência no morro; tem armamento pesado, com canhões de mira a laser, bazucas e metralhadoras antiaéras; e, principalmente, grana, MUITA grana.
Tudo financiado, em parte por uma horda de garotos e garotas cariocas, suíngue sangue bom, que não vê nada de mais dar um dois para aliviar a tensão; parte por gente graúda, que lucra fácil (e alto) com a criminalidade e não se ressente em ter que matar para poder continuar lucrando.
Nada pessoal. São apenas negócios.
E aí, amigo, "o riso rola fácil quando a grana corre solta". Para eles e para o tradicional  "arrego", aquele "do guarda", "pra dar uma moral". Isto não pode faltar! Se falta, alguma coisa tem que ser feita.
O programa minha comunidade, minha UPP virou um sucesso! Agora, todo morador de uma área atingida pelo Crime S.A. sonha com uma unidade policial na porta de sua casa, disposta a protegê-lo e dar -lhe um tapa na cara sem perguntar o motivo.
E aí, como capitalistas que somos, quando um negócio quebra, é preciso uma nova estratégia.
Afinal, precisamos garantir o meu, o seu, o deles e o "nosso".
O que fazer? Escracha! Larga o aço! Pra cima deles!!!
É o popular "bota pra fuder".
A mídia precisa de um mocinho, um bandido e, claro, um bom furo de reportagem.
Temos um Capitão Nascimento, super herói sem capa ou identidade secreta, disposto a resolver todos os problemas.
Temos a bandidagem, esse sujeito indeterminado, que não tem nada a perder.
Temos uma reportagem incansável, disposta a mostrar tudo em tempo real e sem cortes ou eufemismos.

E temos nós...
Se o inimigo agora é outro, quem é o verdadeiro inimigo?
A culpa é de quem?

Será que nosso heroi conseguirá sair dessa? Não perca nosso próximo episódio aqui, neste mesmo horário e neste mesmo canal! 

Em tempo:  Li há poucos dias que a Polícia Rodoviária Federal apreendeu um fuzil em dois anos. UM FUZIL!!! Daí me pergunto: de onde vêm todas aquelas armas que são exibidas pelo tráfico na hora do jantar? Será que chegam enfiados no orifício rugoso da anatomia dos malandros?




Nem tudo está perdido...

Com tanto caos (no mau sentido) no Rio de Janeiro nos últimos dias, há algumas notícias que valem a pena.



Não entendeu? Clique aqui e aqui.
Após sugestões de Elias e seu humor nerd.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

João Prado

João Prado é mais que um poeta. É um homem otimista, daqueles que teimam em cantar o sol, mesmo em tempos de chuva. Por isso, sua poesia é marcante como o cheiro da terra, o canto da cigarra  ou o colorido das gentes que compram bobagens nos camelôs da Central.
Caminhar pelos seus textos nos convence de que viver não é preciso, mas fato. Por isso deve ser vivida.
Para ele, mesmo que se viva no olho do furacão, sempre há tempo de se contemplar as estrelas.
Segue abaixo um dos exemplos de João Prado.

ÁRVORE
João Prado

Com forças gigantes
rasguei essa terra
e sorri para o sol.
Que festa de escol!
Que mundo contente!
Eu não sei, francamente
porque tanta festa em
em todo o arrebol.
Com o tempo eu crescia
e trazia um segredo:
Eu seria gigante,
mais tarde ou mais cedo.
Eu esticava os meus braços,
e mais esticava.
E mais eu crescia,
e mais eu sonhava
espalhar meus galhos
lá em cima,
e estrelas buscava.
Pro mundo pensar
que as estrelas do céu,
eram flores que eu dava.
Um dia no entanto,
o meu sonho acabou;
o machado de um homem
no chão me jogou.
Mais tarde vivi
num salão requintado,
de tapetes e lustres;
onde as excelências
rodeavam-se a mim
pra fazer conferências.
Eu era mesa importante
de um salão elegante.
O tempo passou,
fui ficando esquecida.
Fui substituída;
nem salão requintado,
nem céu pra buscar.
Fui fogueira depois,
e o fogo que ardia
em meu corpo subia;
e tão forte subia,
como se pretendesse
pro céu me levar.
Acabou-se a fogueira.
Sou cinzas, mais nada.
Sou resto de pó
numa noite estrelada.

E eu quisera
buscar as estrelas,
e o céu todo buscar;
agora afinal,
vou subir,
vou voar,
vou fugir do revés.
Um menino que ainda
não sabe de estrelas,
me espalhou com os pés.